2º Chamamento - Corredor
Percorro os meus medos em espiral num poço sem luz, como se reconhecê-los fosse meio caminho andado para os enfrentar. Lá, bem no fundo desse poço, existe um corredor comprido de paredes amareladas e portas, muitas portas de um lado e doutro. Encostados à parede, bancos onde se sentam olhares. Pessoas? Não sei. Eu vejo olhares. Não distingo velhos, mulheres, crianças. Pressinto súplica, desespero, esperança. E dor. Quase palpável é a acusação daqueles olhos. Eu, espectador. Eles, actores. E a interrogação sobre o porquê de ser assim. Dirigida sei lá a que entidade que não ouve, que não responde. Passo por esses olhares, com vergonha e culpa. Sem encontrar também eu a explicação.Ali, no corredor escondido no fundo dos meus medos, enfrento as minhas orgulhosas certezas, as minhas arrogâncias, as minhas “máximas de vida”. E sinto que não valem nada. Aqueles olhares também já reflectiram certezas, vaidades, arrogâncias. Também já brilharam de esperança, de amor. E tudo isso se foi, deixando-os ali, seguindo as pessoas que passam, como se delas dependesse o regresso ao que foram. Cada pessoa que passa acende um “talvez” naqueles olhares. E esse talvez é o que me faz ver claro o corredor e reparar que a luz também entra nele.
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